terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Cidades se reinventam ao modernizarem transporte

Gilmara Santos*
Peça-chave para melhorar a qualidade de vida, mobilidade passa por mudanças em três eixos principais: público, privado e de cargas
Essencial para a qualidade de vida da população em grandes metrópoles, a mobilidade está naturalmente no centro do debate público. Nos últimos anos, com grandes obras de infraestrutura em razão da Copa do Mundo e da Olimpíada do Rio, o tema ganhou ainda mais importância.
Os investimentos em melhorias já começaram e devem ganhar ainda mais força com as mudanças previstas na Lei de Mobilidade Urbana, de 2012, que trata da ampliação do transporte público. Ainda que o desempenho econômico prejudique o repasse de recursos, especialistas afirmam que os investimentos já começam a surtir efeito no cotidiano dos moradores de cidades como São Paulo, Rio e Salvador.
Além disso, o uso de novas tecnologias tem permitido às autoridades maior conexão com seus cidadãos, aumentando a agilidade em caso de problemas.
A reinvenção não passa somente pelos modais coletivos. O uso de bicicletas também cresce, impulsionado pelo patrocínio de empresas que querem ter suas marcas ligadas ao progresso da mobilidade. Nos carros, a conexão à internet chega para atender ao desejo dos novos consumidores.
Melhorar a mobilidade nas grandes cidades não é impossível. Cidades como Bogotá, na Colômbia, e Santiago (Chile) são exemplos na América Latina de que é possível reformar o transporte público. Estolcomo, na Suécia, Londres, no Reino Unido, e Barcelona, na Espanha, também são fontes de boas soluções.
"Esses lugares entenderam há muito tempo que é necessário pensar a cidade como um todo e que todos os aspectos estão relacionados", afirma o arquiteto Ciro Pirondi, diretor da Escola da Cidade.
Inspirado no sistema de transporte público de Curitiba, Bogotá apostou no veículo leve sobre pneus (VLP) para resolver o problema de mobilidade na cidade.
O modelo paranaense ganhou melhorias: o chamado TransMilenio colombiano permite que se façam ultrapassagens, o que aumenta a velocidade dos ônibus.
"Bogotá chegou a ter um colapso no transporte público, porque muita gente migrou para o coletivo. É claro que o ideal é o equilíbrio entre os modais, mas isso mostra que, quando o transporte público funciona, há um incentivo natural para usá-lo", diz Luiz Vicente Figueira de Mello, do Mackenzie.
O transporte público de Santiago, capital chilena, é considerado um dos melhores da América Latina.
O Transantiago teve toda a operação da rede integrada em 2007. O sistema anterior era operado por mais de mil operadores independentes, com itinerários redundantes e ônibus antigos. A cidade tem cinco linhas de metrô interconectadas e rápidas.
Em Estocolmo, a integração de ônibus, metrô, bondes e até barcos foi a saída encontrada para garantir a mobilidade. Além disso, a cidade instituiu o pedágio urbano.
Num primeiro momento, o pedágio seria cobrado por seis meses e depois a população seria consultada sobre sua permanência.
"O sistema deu certo e os moradores pediram a volta do pedágio urbano", afirma Luiz Vicente Mello.
"Cidades como Estolcomo, Londres e Milão optaram pelo pedágio urbano e acho que é uma opção", diz o arquiteto, urbanista e professor emérito da FAU-USP, Candido Malta Campos Filho.
Já Barcelona aproveitou a realização dos Jogos Olímpicos de 1992 para modernizar o transporte coletivo da cidade –assim como tenta fazer, agora, o Rio de Janeiro.
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quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

PDDU e Igualdade Social

Sylvio Pinheiro*
Se tivesse que resumir em uma única frase o que significa o novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) para a cidade, diria que ele promove uma Salvador mais equilibrada para todos os seus moradores. Este é o objetivo maior deste plano que será entregue hoje à Câmara, após as últimas contribuições populares apresentadas nas audiências públicas e inseridas na minuta do projeto de lei.
E não é à toa que o novo PDDU promove um maior equilíbrio da cidade para favorecer principalmente os que mais precisam. Construído em um processo amplamente participativo, a proposta reflete os anseios e percepções dos diversos bairros de Salvador.
Ao longo de 15 meses, moradores e segmentos sociais ajudaram a fazer o PDDU, na maior participação popular já vista na nossa cidade. Foram realizadas 29 oficinas de bairros, cinco fóruns temáticos, um fórum internacional, 14 audiências públicas, foi criada uma plataforma aberta no site Salvador 500, entre outros instrumentos de participação.
No novo PDDU, há diversos pontos que proporcionam um maior equilíbrio no desenvolvimento econômico promovendo inclusão social. A criação de estímulos para o surgimento de polos de comércio e serviços nos bairros, por exemplo, vai gerar empregos perto das moradias, eliminando ou reduzindo o desgaste diário dos trabalhadores no trajeto entre casa e trabalho. Os bairros vão ter seus próprios centros dinâmicos. Já nos bairros onde há muito emprego e pouca moradia, o projeto cria atrativos para a habitação.
Outro marco para o equilíbrio social é o tratamento especial dado às Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) - uma reivindicação histórica dos movimentos de moradia. As Zeis são áreas demarcadas na cidade que seguem regras específicas e são destinadas à habitação popular, como o Calabar, o Nordeste de Amaralina, algumas áreas do centro antigo, a Chapada do Rio Vermelho, Novos Alagados, Arraial do Retiro e Canabrava.
O projeto cria mais de 100 novas Zeis e prevê maior proteção a essas áreas. Também proporciona a flexibilização de regras para incentivar pequenos negócios. Pela legislação atual, a prefeitura não pode conceder alvará a estabelecimentos localizados nas Zeis, que acabam ficando na informalidade.
Fundamental também para equilibrar a cidade na habitação é a instituição da cota de solidariedade. Esse instrumento estabelece que, a partir de sua criação, novos empreendimentos com área construída superior a 20 mil metros quadrados deverão destinar à habitação social o valor equivalente a 5% da área construída, seja em terreno, moradias ou em recurso a ser destinado ao Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano de Salvador (Fundurbs). Outros avanços são: o estímulo à qualificação e à "mescla de usos" no centro antigo e no Comércio.
Destaco, ainda, no novo PDDU, a preocupação com o equilíbrio ambiental da cidade. A proposta traz importantes conquistas: amplia as áreas de preservação permanente, cria novos parques de bairros - a exemplo do Parque Histórico da Independência da Bahia, em Pirajá, e do Parque da Pedra de Xangô, em Cajazeiras 10 - e consolida os existentes, como a urbanização e implantação de equipamentos culturais no Parque São Bartolomeu, a requalificação do Parque da Mata Escura e do Parque Metropolitano de Pirajá. Vale citar que este PDDU trata ainda da revitalização das orlas e impede a criação de "paredões" de prédios.
Enfim, é um PDDU que agrega, desenvolve, protege, impulsiona, aproxima e, principalmente, equilibra Salvador de diferentes maneiras com benefícios diretos para todos. O novo PDDU espalha o desenvolvimento pelos bairros e redistribui riquezas e oportunidades do centro às periferias.
* Advogado, é Secretário de Urbanismo de Salvador

sábado, 28 de novembro de 2015

Em Salvador, Françoise Benhamou debate a Economia da Cultura

José Carlos Durand*
Esteve em Salvador , participando do II Encontro Internacional da Economia Criativa a professora e pesquisadora francesa Françoise Benhamou, autora do livro Economia da Cultura.
O livro foi lançado no Brasil e, com esta tradução, a autora encaminha o leitor de língua portuguesa a um nicho de conhecimento de formação recente: a economia da cultura. Até hoje, uma especialidade quase toda circunscrita ao meio acadêmico das poucas nações ricas e desenvolvidas do planeta.
Françoise respeita a sequência cronológica de achados, intuições e teorizações que, nos últimos quarenta anos, vêm mostrando que as artes, como qualquer outra atividade humana regular e coletiva, podem ser pensadas economicamente.
Desde logo, pensar economicamente as artes e a cultura não significa nivelar (ou tomar como equivalentes) as manifestações da criação humana e os bens produzidos em série pela indústria. Muito ao contrário, significa apenas aceitar que, diversamente do que ocorre com sabonetes ou automóveis, existe uma relutância institucionalizada em reconhecer que as práticas culturais e os bens e serviços que dela resultam sejam presididos por lógicas de interesse, inclusive e sobretudo o interesse econômico.
Tal relutância - mostra a sociologia - nada mais é do que expressão inconsciente de uma antiga e aristocrática reivindicação de prestígio baseada na crença de que o mundo das artes seria, em sua essência mais íntima, o reino do completo desinteresse. Sendo aristocrática, esta é uma postura socialmente excludente, em desacordo com o consenso político contemporâneo que toma a cultura como território por excelência de vivência da igualdade e da fraternidade. Daí que o princípio de "negação do econômico" nas artes deva ser visto antes como um entulho intelectual a ser enfrentado em nome da democracia do que como uma barreira contra a infiltração indevida do lucro no mundo sublime da estética - como fácil e costumeiramente é invocado.
Cultura é um setor de gera empregos. É muito diferenciado internamente e com relações muito peculiares entre os indivíduos, grupos e microempresas, que respondem mais pela criação, e as grandes corporações, que dominam a distribuição. E também muito desigual, quando se pensa no abismo que separa o ganho dos grandes astros e estrelas das dificuldades da grande maioria dos que insistem em sobreviver de um fazer estético. Ou ainda da parca e incerta rentabilidade do editor apenas comprometido com autores novos e com qualidade comparada aos ganhos amplos e seguros dos que se limitam a best-sellers.
Benhamou movimenta-se à vontade em um plano comparativo internacional, no qual, como se sabe, o modelo descentralizado anglo-saxão e o modelo centralizado francês de política cultural constituem ainda os paradigmas básicos. Na medida em que o exercício comparativo é feito área por área - livros e literatura, artes visuais, cinema e vídeo, música, artes cênicas, etc., - o leitor tem diante de si um rico panorama de exemplos. Ele fica sabendo através de quais princípios valorativos, meios legais, praxes administrativas, inovações técnicas e resultados financeiros de governos nacionais e locais, corporações econômicas e um sem-número de entidades e grupos definem hoje boa parte das feições do populoso e efervescente mundo das artes e da cultura. Por tudo isso, além de poderem, as artes devem ser pensadas economicamente, para serem fomentadas e promovidas com mais equidade e eficiência.
Não é por acaso que este livro sai por uma editora voltada mais para humanidades e literatura do que propriamente para economia e administração. É apenas um exemplo, entre muitos, de que romper barreiras e reduzir distâncias entre os mundos da arte e da ciência é hoje mais um desafio e uma prioridade à gente das artes do que à das ciências e dos negócios.
O Brasil é um repositório riquíssimo de fenômenos e processos culturais. Afinal, o país conta com uma indústria cultural sólida e um mosaico muito variado de expressões populares em suas diversas regiões. Por razões históricas, ligadas à pequena capacidade de inclusão do sistema educacional, o acesso e o desfrute da cultura erudita (que, aliás, no mundo todo só atinge parcela minoritária da sociedade) é ainda mais seletivo social e economicamente no Brasil.
Mas as coisas vêm mudando muito, nesses mesmos quarenta anos durante os quais a economia da cultura conquistou status e direito a uma rubrica própria nos eventos, nos currículos e nas publicações de ciência econômica dos países ricos. A multiplicação de secretarias municipais e estaduais de cultura, a emergência do patrocínio corporativo às artes e os incentivos fiscais para impulsioná-lo, o surgimento de fundações e entidades não-governamentais direta ou indiretamente na esfera artística, a expansão das grandes corporações de mídia, o acesso à internet e, via satélite, a espetáculos globalizados, a recente onda de instalação de editoras estrangeiras no país, são apenas alguns exemplos das transformações em curso.
Todavia, para que essa nova disciplina se desenvolva no Brasil, forçoso será um trabalho conjunto de construção de um sistema de informações quantitativas sobre fluxos culturais que seja confiável e de acesso público. Não se pode mais aceitar considerações resignadas como: "Hollywood conhece mais nosso mercado de cinema do que os próprios brasileiros". Não basta mais que cada empresa grande de mídia saiba dimensionar "seus mercados" e mantenha essas informações sob sigilo comercial. Não é aceitável que se cobre somente um real de ingresso em um museu carente de conservação, só porque sempre assim se fez. Não é possível aceitar mais que a gestão cultural governamental opere sem um mínimo de referências numéricas indispensáveis para justificar prioridades quando se trata de dinheiro público envolvido e sujeito a prestação de contas (accountability). Não é aceitável enfim que as apreciações sobre tendências da vida cultural brasileira possam flutuar tão arbitrária e inpunemente entre o crônico pessimismo dos apocalípticos e o incorrigível otimismo dos integrados (para usar a dicotomia célebre de Umberto Eco) sem que alguém com mais objetividade disponha de dados para divergir e contestar.
* Professor e pesquisador da Unicamp

O PDDU e o patrimônio cultural e natural

Paulo Ormindo de Azevedo* 
Cronista da descaracterização sistemática desta cidade, desde a década de 60, conquistei há cinco anos o privilégio de ter uma coluna quinzenal neste jornal. Nela procuro retribuir a esta cidade, sem PDDU e Louos há anos, o que recebi dela, contribuindo para a seu desenvolvimento, analisando a legislação, apontado alternativas e dando sugestões, nem sempre bem vistas. Participei inclusive de dois dos fóruns preparatórios do novo PDDU que acaba de ser enviado à Câmara. Não poderia, neste momento, me omitir de opinar. Devido às limitações deste espaço, me limitarei ao patrimônio cultural e natural. Em primeiro lugar estranho a ausência de referências à paisagem desta bela cidade, com mirantes públicos que vão sendo apropriados progressivamente pelas imobiliárias. Na seção sobre gerenciamento costeiro desta cidade ornada de praias a tônica são seus aspectos físicos, muito deles já destruídos, e nada sobre seu uso social. Sugiro aos leitores e vereadores lerem A praia, espaço de socialidade, de Thales de Azevedo. No que toca ao patrimônio cultural, o Centro Histórico, C.H., hoje com 1.500 imóveis escorados, é remetido para o Sistema de Áreas de Valor Ambiental e Cultural, SAVAM, a ser redigido posteriormente. Mas indiretamente ele é objeto de outras seções, como a das zonas de centralidades municipais. Ao meu ver, devido a seu valor simbólico e histórico, ele deveria ser considerado uma centralidade metropolitana e tratado como zona de uso especial. Isto permitiria valorizá-lo com funções privilegiadas, como fizeram com sucesso o Rio e o Recife. Este é um ponto importante, pois a recuperação do C.H. só pode ser alcançada pelo incremento do seu “valor de uso” e não de troca.  Uma das soluções propostas para ele seria o uso do velho Transcon, um saco de gatos que junta num mesmo instrumento imóveis de interesse histórico e ambientais, loteamentos clandestinos mascarados de invasões e sujeitos a regularização fundiária, implantação de infraestrutura e conjuntos habitacionais, á custa da verticalização das áreas mais valorizadas e congestionadas da cidade. Mas, segundo a minuta, o Coeficiente de Aproveitamento Básico do C.H. seria 1(um) e o seu Coeficiente de Aproveitamento Máximo, 2(dois). Ora, o C. H. é constituído por sobrados de três e até cinco pavimentos, como na Montanha, que ocupam 80% do lote superando em muito o CAM e, portanto, sem condição de ceder potencial.  Outro equívoco é imaginar que o centro antigo de Salvador e a península itapagipana poderiam ser recuperados mediante uma Operação Urbana Consorciada. Este instrumento se apoia no aumento do Coeficiente de Aproveitamento Máximo e emissão e comercialização de Certificados de Potencial Adicional de Construção, CEPAC. A ser aprovado este dispositivo, o centro antigo e um dos mais pitorescos e tradicionais bairros de Salvador seriam verticalizados. Mas os CEPACs não funcionaram nem numa das áreas mais comerciais do país, o Porto Maravilha do Rio de Janeiro. A responsabilidade agora é da Câmara e apelo para seu bom senso. 
* Professor Titular da UFBa - Escola de Arquitetura e Urbanismo

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O Mistério da Linha 2 do Metrô de Salvador

Lourenço Mueller*
O arquiteto alemão Ludwig Mies van der Rohe (1886-1969), principal criador do "international style", é também famoso pelas suas frases sempre repetidas por decoradores que nem conhecem o autor, como "menos é mais" (em prol do minimalismo) ou "Deus está nos detalhes" (em prol de muitas outras coisas...). Outro alemão, o Alz, pode estar me pregando mais uma peça, entre as muitas que apronta, mas creio ser também de Mies o axioma "os edifícios têm vida longa", num contexto de ética profissional em que a estética, uma de suas obsessões, pode comprometer para sempre a autoria de um projeto e seu ambiente físico. Se é assim com simples prédios, imaginem o quanto isso pode significar em obras de infraestrutura gigantescas que mudam para sempre toda a paisagem urbana, como uma linha de metrô. A responsabilidade de sua autoria é incalculável, e não apenas do ponto de vista plástico, mas do seu custo, exequibilidade, prazo e funcionalidade.
Ao mesmo tempo, tais obras, como nas cidades do mundo que as possuem, são enorme benefício para a população, sobretudo para aqueles que não têm o seu transporte individual. Não tenho conhecimento de redes de metrô demolidas, elas "têm vida longa", são definitivas. O que causa espanto é por que se escondem da sociedade civil os seus critérios de contratação, desde a origem das "manifestações de interesse" até a implementação da obra nos seus canteiros já em operação em pontos da cidade.
A primeira interrogação é o próprio traçado: os projetos de transporte de massa são feitos a partir de movimentos "origem-destino" comprovadamente densos de passageiros, que viabilizem suas tarifas. A Paralela, apesar de recentemente mais ocupada, não as viabiliza. Mas como já se decidiu - o porquê será talvez um insondável mistério - pelo traçado na Paralela (à primeira vista um "canteiro central" vazio quando originalmente foi pensado como "parque urbano"), a segunda questão passa a ser como serão projetados os diferentes "modos" de circular (pedestres, ciclistas, ônibus, carro) para chegar a cada estação: esta uma questão complicada porque as estações devem facilitar, numa espécie de "acesso universal" (nomenclatura técnica), todos os tipos de mobilidade nas conexões com os trens e - aí mais um grande "pepino" - na transposição transversal desse conjunto, religando as duas bandas da cidade já dividida pela pista dupla da Paralela.
Fala-se metaforicamente de duas cidades, uma do lado do mar, rica, e outra pobre no interior do "miolo", debitando ao metrô essa futura divisão, sem considerar que ela já existe, imposta pela própria "avenida", o que a rigor não é, como não é tampouco uma rodovia, os especialistas me entendem. As conexões podem ser uma saída.
Espera-se, todavia, que a imaginação de bons profissionais envolvidos com essas complexidades saiba superá-las, mas seria bom que prestassem um mínimo de esclarecimento a nós, cidadãos e pagantes, em última instância, de todo esse mistério.
* Arquiteto e Urbanista


terça-feira, 3 de novembro de 2015

Salvador 400


Paulo Ormindo de Azevedo*

Assisti, menino, ao IV Centenário de Salvador, em 1949, que hoje chamaríamos de Salvador/400. Foi a criação um novo paradigma urbano com as inaugurações da Av. Centenário, Escola Parque, Estádio da Fonte Nova, Fórum Rui Barbosa e Hotel da Bahia. Mas não eram apenas obras com foco no social. Estávamos vivendo o nascimento da UFBA, a realização do Salão de Artes da Bahia com a ala de arte moderna de Mario Cravo, Carlos Bastos, Genaro de Carvalho, Jener Augusto e Caribé, a assinatura do convenio Estado da Bahia/Columbia Universiry de estudos sociais, e a estruturação da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia. A prefeitura promoveu um monumental desfile histórico na Av, Sete de Setembro, a peça Alto de Graça e Gloria da Bahia, que correu o país, e encomendou dez livros fundamentais para entender a cidade. Vivíamos a queda do nazi/fascismo, a redemocratização de 1946 e a recuperação do cacau. Mas o que explica a valorização do social, da cultura e da razão foram quadros como Otávio Mangabeira, Anísio Teixeira, Nestor Duarte, Thales de Azevedo, Diógenes Rebouças e José Silveira e produtores culturais como Alexandrina Ramalho e Adroaldo R. Costa, que mudaram a cara de Salvador.
Se dirá que os tempos são outros. Sem dúvida, mas tivemos a queda do muro de Berlin, a redemocratização de 1985, a pílula, o ciclo do petróleo, o tropicalismo e o Axé Music e nada mudou na Bahia nos últimos 40 anos. Nossos heróis, artistas, empresas e bancos migraram para o sul ou fecharam. Restou apenas o entulho de concreto dos viadutos e vias expressas e a sucata de carros que não andam. São mínimos os avanços na distribuição da renda, na qualidade da educação, na inclusão social e na cultura. É mais cômodo pensar que este articulista é um saudosista, do que reconhecer a crise e querer superá-la.
Anuncia-se para março o plano estratégico Salvador/500. Os desafios e incertezas são enormes nos próximos 35 anos: mudanças climáticas, crise da representatividade, insurgência em rede, envelhecimento da população, desindustrialização, novos/antigos modais de mobilidade, a paleta, a bicicleta e o trem de ferro. Mas as possibilidades são também imensas: aumento da vida, ócio criativo, turismo cultural, comunicação em rede e urbanidade solidária. Conciliar estas duas coisas seria tarefa para os nossos melhores filósofos, antropólogos, sociólogos, demógrafos, planejadores e urbanistas, em suma, para a nossa academia antenada no social. Evidentemente não houve tempo para isto e os resultados apresentados, até agora, pelos economicistas da garoa contratados para nos diagnosticar deixam muito a desejar.
Mas houveram alguns avanços com relação aos projetos anteriores de PDDU: audiências públicas, mobilização da sociedade, atuação do Ministério Público e do Participa, vistos como oposição retrógrada e “política”, como nome feio, e não como contribuição crítica e democrática ao processo. No conceito de progresso reside o conflito das duas posições: se social-público ou econômico-privado. Estamos perdendo a oportunidade de deflagrar uma inovadora revolução sociocultural, como fizeram Otávio Mangabeira, Anísio Teixeira e Edgar Santos.
*Paulo Ormindo Azevedo é Professor Titular da UFBa

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Audiência Pública discutiu impactos ambientais da ponte Salvador Itaparica

A construção da ponte Salvador-Itaparica vai gerar 167 impactos ambientais, dos quais 81 no meio físico, 32 no biótico e 34 socioeconômicos. Entre o que é considerado negativo estão a alteração de habitats de recifes, supressão de vegetação e manguezais, perdas de comunidades botânicas, além de emissões atmosféricas e aterramento de parte do rio Jaburu.
Estes itens estão previstos no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto do Sistema de Travessia Salvador - Ilha de Itaparica. O vice givernador João Leão e o secretario de infra estrutura Marcus Cavalcante coordenaram os trabalhos.
Prefeitos dos municípios de Jaguaripe, Valença e Salinas das Margaridas participaram também e manifestaram apoio ao projeto.
O estudo, feito pelo consórcio das empresas V&S, da Bahia, e Nemus, de Portugal, considerou viável a implantação da ponte sobre a Baía de Todos-os-Santos.
Para reduzir os impactos ambientais, a pesquisa sugere 244 medidas de controle, mitigação e compensação. Entre elas, a elaboração de estudos de planejamento territorial, uso de equipamentos que minimizem os ruídos subaquáticos, ações de resgate e monitoramento da flora e da fauna, além de plano de gerenciamento de resíduos sólidos das obras. Segundo o EIA, 84% dos impactos ambientais são mitigados.
As intervenções vão impactar a vida de cerca de 4,4 milhões de baianos e 45 municípios. Na audiência foram apresentados detalhes sobre as possíveis modificações ambientais do projeto, que inclui, além da ponte rodoviária sobre a Baía de Todos-os-Santos, a duplicação da BA-001 (do trecho Itaparica-Ponte do Funil).

Contribuições

Segundo o coordenador técnico do projeto, Paulo Henrique de Almeida, a expectativa do governo é que a licitação para que a concessão do sistema seja lançada no próximo ano, e a construção iniciada em 2017.
As próximas etapas serão de avaliação, pelo Inema, das contribuições nas audiências. Após o processo, o órgão poderá conceder a licença prévia, etapa necessária à licitação de concessão.alhos.

O estudo, feito pelo consórcio das empresas V&S, da Bahia, e Nemus, de Portugal, considerou viável a implantação da ponte sobre a Baía de Todos-os-Santos.

Para reduzir os impactos ambientais, a pesquisa sugere 244 medidas de controle, mitigação e compensação. Entre elas, a elaboração de estudos de planejamento territorial, uso de equipamentos que minimizem os ruídos subaquáticos, ações de resgate e monitoramento da flora e da fauna, além de plano de gerenciamento de resíduos sólidos das obras. Segundo o EIA, 84% dos impactos ambientais são mitigáveis.

Por outro lado, o estudo prevê também impactos positivos, como a dinamização da economia de Itaparica e Vera Cruz, geração de emprego e renda e aumento da arrecadação de municípios, estado e União, além da valorização dos imóveis.

As intervenções vão impactar a vida de cerca de 4,4 milhões de baianos e 45 municípios. Na audiência foram apresentados detalhes sobre as possíveis modificações ambientais do projeto, que inclui, além da ponte rodoviária sobre a Baía de Todos-os-Santos, a duplicação da BA-001 (do trecho Itaparica-Ponte do Funil).

Contribuições

Segundo o coordenador técnico do projeto, Paulo Henrique de Almeida, a expectativa do governo é que a licitação para que a concessão do sistema seja lançada no próximo ano, e a construção iniciada em 2017.

Ele destacou que a participação popular é positiva e as contribuições serão consideradas. Frisou que o projeto é debatido desde 2011 com os vereadores de Vera Cruz, Itaparica, Santo Antônio de Jesus e universidades e associações comerciais.

As próximas etapas serão de avaliação, pelo Inema, das contribuições nas audiências. Após o processo, o órgão poderá conceder a licença prévia, etapa necessária à licitação de concessão.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Pensando o Futuro de Salvador e Recife


Guilherme Cavalcante, diretor executivo da ARIES - Agencia Recife para Inovação e Estratégia  e coordenador do plano Recife 500, debate neste momento,  em Salvador , no sexto Encontro "Salvador Sustentavel", promovido pela  Câmara  Municipal de Salvador , a  questão  da economia criativa e planejamento urbano. 
Na palestra " O Futuro é Colaborativo e Compartilhado", Guilherme relatou um pouco da história do Porto Digital, instituição inovadora e reconhecida na área de tecnologia da informação e o ARIES  , instituição que coordena o Plano Recife 500.
 Recentemente  em evento com presença de ampla representação da sociedade, a Agência Recife para Inovação e Estratégia apresentou os canais de participação popular na construção do Plano.
Um projeto de futuro que tem como marco temporal 12 de março de 2037, data em que Recife completa 500 anos. Como parte desse processo, nesta terça-feira foram apresentados a metodologia de elaboração e os canais de participação da sociedade na construção do Plano Recife 500 Anos, bem como resultados parciais dos primeiros levantamentos em fontes secundárias. A iniciativa, pioneira entre poder público e sociedade organizada, é promovida pela Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES), que está incubada dentro do Núcleo de Gestão do Porto Digital por meio de um Contrato de Gestão estabelecido com a Prefeitura do Recife.
Parte desses produtos é o Benchmarking de Cidades, no qual foram comparados os números do Recife com os de outras cidades e apresentadas algumas iniciativas que estão dando certo aqui e em outros lugares do mundo, para que essas experiências sirvam de referência na construção coletiva de uma estratégia para os próximos 22 anos da cidade. O documento, lançado durante a manhã de debates realizada no auditório do Banco Central apresenta os primeiros resultados deste estudo, que serão as bases do documento final, elaborado com a participação ativa da sociedade.
No evento foi apresentado pelo diretor da ARIES, Guilherme Cavalcanti  as diretrizes do plano.
"Muito mais do que um projeto que faz parte de uma política pública integrada, o Recife 500 Anos tem como principal característica o protagonismo das pessoas em todas as suas fases de construção. Hoje apresentamos os mecanismos que envolverão a sociedade na elaboração desse projeto que consideramos uma importante carta de navegação. Ela norteará o crescimento melhor estruturado da cidade a partir de um plano com visão já ancorada no futuro", pontua Guilherme Cavalcanti, diretor da ARIES.
A participação da sociedade, que fundamentará todo o processo, se dará a partir de seis canais de escuta. Entrevistas técnicas, pesquisas de opiniões, audiências públicas, grupos focais, pesquisas via internet e um canal aberto permanente via redes sociais. Para participar da construção do planejamento de futuro da cidade, os interessados em contribuir podem responder à pesquisa no site www.recife500anos.com.br ou provocar a equipe da ARIES através do email rec500@aries.org.br, também é possível registrar suas sugestões, críticas ou questionamentos simplesmente postando nas redes sociais com as hash tags #REC500 e #SELIGAARIES. Parte das pesquisas qualitativas já foram iniciadas e os estudos para elaboração do projeto também contarão com reuniões e audiências públicas com datas ainda a serem divulgadas.
Sobre o Recife 500 Anos - Uma das mais antigas capitais do Brasil, o Recife possui rico e diversificado patrimônio histórico e cultural. Ao mesmo tempo, algumas heranças do processo de ocupação urbana pesam fortemente sobre sua configuração atual. Coração de uma metrópole que se organiza a partir dele, as novas tendências desafiam a cidade a se reposicionar no contexto estadual e regional, considerando a integração do espaço metropolitano e das dimensões social, econômica e ambiental no território.
As diversas representações dos segmentos sociais e manifestações dos cidadãos apontam para um consenso sobre a necessidade de um projeto de futuro que reoriente o processo de desenvolvimento, promovendo uma mudança de curso desejada e inadiável. Para que este projeto seja viabilizado no tempo, precisa buscar sua legitimação como projeto da sociedade e não de um governo, sob pena de interrupção das intervenções em médio e longo prazo. Aproveitando o potencial mobilizador do aniversário de cinco séculos da cidade, o Recife 500 Anos propõe uma agenda ancorada no futuro, de maneira estratégica e estruturadora.
Com base nos insumos produzidos pelos estudos, parte-se para a elaboração de uma visão de futuro para o horizonte 2037. Aqui as aspirações sociais e as condicionantes técnicas serão consideradas e combinadas, resultando em um primeiro desenho urbano conceitual e seus desdobramentos em objetivos, metas e estratégias específicas para o Recife no curto e médio prazo a partir de uma carteira de projetos que redirecionarão o desenvolvimento da cidade.
Sobre a ARIES - O desafio de conduzir o processo de construção do Recife 500 Anos está sob os cuidados da Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES) por meio de um contrato de gestão firmado entre a Prefeitura do Recife e o Porto Digital. O trabalho está dividido em três etapas: desenvolvimento do Plano Recife 500 Anos; estruturação dessa nova governança que atuará como guardiã da estratégia de longo prazo; e a promoção de espaços de antecipação de futuro, experimentos que permitam ao Recifense ter no tempo presente um vislumbre do que podemos construir para o futuro. Mais detalhes sobre o trabalho da ARIES no site www.aries.org.br www.recife500.com.br

domingo, 18 de outubro de 2015

Cidade Criativa e Musical

 Salvador está concorrendo ao título de Cidade da Música da Rede de Cidades Criativas da UNESCO.
Se for selecionada, Salvador será a primeira cidade brasileira a integrar a Unesco Creative Cities Network no segmento musical, ao lado de Bogotá (Colômbia), Bologna (Itália), Brazzaville (República do Congo), Ghent (Bélgica), Glasgow (Reino Unido), Hamamatsu (Japão), Hannover (Alemanha), Harbin (China), Mannheim (Alemanha), Seville (Espanha). A Rede de Cidades Criativas da UNESCO tem como objetivo promover a cooperação internacional entre cidades comprometidas em investir na criatividade como uma propulsão para o desenvolvimento urbano sustentável, a inclusão social e aumento da influência da cultura no mundo. A Rede engloba sete áreas temáticas: Artesanato e Artes Folclóricas, Design, Filme, Gastronomia, Literatura, Artes Midiáticas e Música.
Os benefícios dessa titulação para Salvador é que ela contribuirá para fortalecer a cultura local e promover internacionalmente a cidade, atraindo investimentos no segmento da economia criativa e incrementando o turismo, uma vez que cidades criativas são consideradas destinos turísticos mais competitivos. A economia de Salvador concentra um quarto de todas as riquezas geradas no estado da Bahia nas áreas de comércio, turismo e indústrias criativas. 
E o maior desafio é promover o desenvolvimento sustentável em um contexto de limitada extensão territorial e grande adensamento populacional. A expectativa municipal é que ao inserir Salvador nesta Rede, a cidade possa transformar a sua musicalidade em efetivo instrumento de desenvolvimento humano, social e cultural.
A economia criativa é um modelo de negócio originário de atividades, produtos ou serviços desenvolvidos a partir do conhecimento, criatividade ou capital intelectual de indivíduos com vistas à geração de trabalho e renda. E em Salvador a música exerce esse papel, pois é uma atividade baseada no conhecimento e que produz bens tangíveis e intangíveis, intelectuais e artísticos, com conteúdo criativo e valor econômico.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Cenários Futuros para Salvador

Alan Souza Mascarenhas*
A cidade de Salvador (BA) passa por uma etapa urbanística em que o planejamento urbano não é o mais adequado no sentido de garantir políticas urbanas voltadas para uma cidade mais justa e sustentável.
Nesse contexto é importante e necessário um estudo a respeito de possíveis futuros a que essa situação pode levar. 
Nessa dissertação o estudo do futuro se dá por meio da técnica de “cenários futuros” – que são definidos, como: prospecções que dizem respeito ao futuro e podem ser utilizados das mais variadas maneiras possíveis desde estratégias empresariais a questões que envolvem planejamento de nações. 
É indispensável ressaltar que os cenários futuros não são simples previsões e sim prospecções plausíveis que englobam uma gama de fatores de alta relevância como ambiente político (políticas públicas), economia, atitudes sociais, etc. Os cenários futuros são elaborados através da atribuição de hipóteses, dessa forma eles são criados em conjuntos e não sozinhos – geralmente três para capturar a gama de possibilidades futuras em relação ao objeto: 1-boas; 2-más; 3- constantes. 
Dessa forma o pensamento por cenários é importante num ambiente tão turbulento quanto é o urbano. São apresentados três tipos de cenários (baseados na teoria da literatura nacional e internacional): 1- “best”/otimista; 2- “worst”/pessimista; e 3- “middle”/intermediário para a Salvador no ano de 2022. 
O método para a visualização desses cenários se dá, basicamente, por meio da apreciação de seis variáveis: 1-população; 2-domicílios; 3-mercado imobiliário formal; 4- renda; 5-mobilidade; e 6- políticas públicas – num primeiro momento com o intuito de entender a situação atual da cidade e posteriormente no próprio perfil dos cenários tomando como critério para a variáveis a proximidade ou não com Estatuto da Cidade: artigo 2º, inciso I. Os resultados dessa pesquisa destacam a importância da técnica de cenários para o planejamento de uma cidade mostrando três possíveis tipos de perfis da cidade de Salvador de 2022, além de alertar que as decisões tomadas hoje influenciam diretamente o futuro.
* Mestre em Urbanismo pela UFBa

Link para a Dissertação

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Mais um shopping contra a cidade

Márcio Campos*
O centro da cidade de Salvador apresenta hoje uma peculiar configuração consequente da redistribuição do comércio e serviço devida à implantação dos shoppings centers em áreas de expansão urbana a partir dos anos 1970. Se a cidade acompanhou o fenômeno mais ou menos generalizado para as cidades brasileiras que levou a uma queda da qualidade e depois da quantidade nas ruas tradicionais do centro, em Salvador, com a construção da Estação da Lapa em 1983, projeto de João Filgueiras Lima, Lelé, que passou a concentrar a maioria absoluta das linhas de ônibus que antes se destinavam ao Campo Grande e a Praça da Sé, este processo adquiriu um traço específico determinado pela grande concentração de fluxo de pedestres nas vias de acesso entre a Estação – localizada no vale – e o centro propriamente dito, localizado na cumeada das colinas onde se desenvolvem as Avenidas Sete de Setembro e Joana Angélica, pólos tradicionais de comércio e serviço.
Aproveitando então desta nova condição de concentração de fluxo de pedestres, foi construído ainda nos anos 1980 o primeiro shopping imediatamente ao lado da Estação da Lapa, na encosta de acesso aos Barris, transformando-se rapidamente em um sucesso de vendas ao canalizar boa parte do fluxo de passageiros para o seu interior. Como se não bastasse a instalação de um equipamento com lojas de departamento, grandes magazines de roupa e supermercado, constituindo-se pela própria dinâmica em pólo de interesse para o público, outro shopping foi construído anos mais tarde, em cota mais elevada, agora com cinemas, outra praça de alimentação e mais uma grande loja âncora. O resultado para a vida no centro da cidade foi desastroso: além de concorrer com as áreas de expansão, o tradicional comércio de rua – e toda a gama de serviços a ele associada – foi quase dizimado. A Rua Chile, com a maioria de suas portas hoje fechadas, é a melhor prova de que entre a área de comércio da Avenida Sete e o Centro Histórico – hoje também essencialmente esvaziado – muito há o que se fazer para retomar a vitalidade em todo o centro de Salvador, especialmente ações voltadas para um incentivo direto para os usos comerciais e de serviço combinados com a qualificação dos espaços abertos (redução de tráfego automotivo, novo calçamento, ampliação do verde).

Diante deste quadro, causa espanto e indignação que a Prefeitura apresente como parte da ação de reforma da Estação da Lapa – algo que é extremamente necessário, devido à falta de manutenção e necessidade de melhoria geral das condições ambientais do terminal – uma proposta para a construção no local de mais um shopping center, desta vez imediatamente acima da própria estação. Saturado de shopping centers em toda a sua área, o centro, pelas razões expostas acima, é a área hoje em dia que menos precisa de mais um equipamento concentrador de comércio e serviços. Como se não bastasse esta razão, a de interferir de maneira extremamente negativa na dinâmica urbana do centro, as imagens da proposta, divulgadas no dia 13 de janeiro, através das redes sociais, são verdadeiramente assustadoras: o imenso volume a ser construído, em altura comparável ou mesmo superior ao grande pilar em concreto armado onde estão fixados os cabos que sustentam os viadutos de acesso à Estação, ocuparia completamente o vale, obstruindo a relação visual que ainda é possível manter entre o Convento da Lapa, edifício tombado pelo Patrimônio Histórico, e o vale.
A completa inadequação de escala entre a proposta e o sítio só faz ampliar uma série de problemas relacionados à ocupação ali já extremamente densa e desordenada. Previsto para ser construído poucos metros acima da plataforma de embarque e desembarque, o gigantesco volume proposto levaria a gastos elevados para a obtenção da qualidade ambiental hoje já fortemente degradada em função da dificuldade da renovação do ar contaminado com a poluição causada pelos ônibus. Onde se faz necessário mais área livre, mais verde, mais abertura e ventilação, a prefeitura propõe exatamente o oposto.
E há ainda um agravante a mais: a proposta de um shopping sobre a Estação da Lapa revela a tentativa de cooptar para a concentração em tal empreendimento do potencial de público agregado desde que o metrô, inaugurado há poucos meses, tem ali a sua estação final. Então se trata de concentrar em um empreendimento de caráter privado as vantagens advindas da instalação da rede de transporte. Em vez de usar o potencial trazido pela rede para incentivar a transformação do centro da cidade como um todo, podendo gerar uma articulação a partir do metrô que viesse a beneficiar os espaços comuns e os vários comerciantes e prestadores de serviço entre o Campo Grande e o Pelourinho, a proposta divulgada pela Prefeitura irá reforçar a nefasta concentração hoje já existente. Em vez de democratizar os benefícios advindos dos investimentos públicos na infraestrutura de transporte, pagos pelo conjunto da população, estes estão sendo postos à disposição de apenas um único empreendimento.
Novo Shopping Center junto a Estação da Lapa, Salvador

Imagem divulgação [website da Prefeitura de Salvador]
Há uma clara atuação na cidade por parte da prefeitura, revelada em uma série de intervenções no seu espaço físico, a exemplo da controversa reforma da Barra (1), nas orlas dos bairros do subúrbio, na derrubada de uma série de árvores ou mesmo na instalação de piso tátil nas calçadas da cidade. Diante do marasmo e abandono em que a cidade se encontrava, a ação da atual gestão vem sendo aclamada, o que deve ser o motivo de tanto afã em realizar obras. Entretanto, a proposta para este Shopping Center sobre a Estação da Lapa definitivamente rompe com uma série de requisitos fundamentais que garantam qualidade para a vida dos cidadãos. E esta deveria ser sempre a meta para a atuação do poder público.
*Márcio Campos, arquiteto formado pela UFBA, Mestre em Arquitetura pela Universidade Técnica de Viena, Áustria, atualmente doutorando da Universidade Técnica de Munique, Alemanha.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Preservar o futuro

Paulo Ormindo de Azevedo*
Um jornal do Sul criou, há anos, uma coluna dedicada à boa notícia do dia, mas teve que fechar porque não havia nada a noticiar. Quando comecei a assinar esta coluna esperava poder incentivar boas ações públicas e privadas para a cidade. Cheguei a ressaltar algumas do passado, como a piscina do Sr. Oliveira em Ondina e a restauração do cineteatro de Nazaré por Vampeta. Mas hoje, por mais que procure, não encontro nada para festejar.
Não é que os gestores estaduais e municipais não estejam trabalhando. Pelo contrário, a cidade está um canteiro de obras, numa corrida atropelada para as eleições de 2016 e 2018. O problema é que são todos projetos improvisados, carimbados e desarticulados. Não consigo entender um metrô rasteiro que acaba com um parque de 12 km e não atende ao Centro Histórico (C,H,), ao Comercio e ao vórtice do Campo Grande chegando a Lauro de Freitas sem passar pelo aeroporto. Nem a transferência da rodoviária para a periferia do município, quando as estações de transporte em todo o mundo estão no centro, ou a construção de um BRT mirim cobrindo um rio e fazendo pirraça ao metrô e uma ponte de 7 bilhões para substituir o ferry domingueiro numa cidade que alaga, desaba e mata quando chove.
Trabalhei sempre na preservação do passado. Fiz o Inventario de Proteção do Acervo Cultural da Bahia, único no país, em 7 vols. Como consultor da Unesco fiz missões nos principais C.H. da América Latina, Caribe e África lusofone, mas nunca fui chamado a opinar sobre o C.H. de minha cidade. Não tenho mágoa, lamento apenas sua exclusão urbana e as mil escoras que não vejo em nenhum C.H. do continente. Cusco, Cartagena e Quito são hoje importantes destinos turísticos internacionais. Salvador poderia ser também, se fosse preservada. Lamento ver a sede do arcebispado primaz do Brasil com o telhado ruindo e o palácio Boa Vista, onde morou Castro Alves, se arruinando depois de um incêndio suspeitoso como todos de Salvador.
Salvador já foi uma das paisagens culturais mais belas do mundo registra por gravadores holandeses e louvada pelos sábios Spix & Martius e Darwin. Hoje é uma paliçada da pior especulação. Não estou preocupado só com o nosso passado, já em parte destruído, senão com o futuro. Nossos filhos e netos estão ameaçados de viver numa cidade sem identidade, horizonte e céu, infartada, alagadiça e neurótica. O Parque de Pituaçu foi loteado entre instituições privadas e invadido, a lagoa do Abaeté está sendo drenada para irrigar um campo de golfe e os órgãos de planejamento e ambientais esvaziados. Não creio na criatividade da Fipe, boa na tabela de carros usados, autora do Plano Salvador/500, cuja principal proposta é a copacabanização da nossa Orla, sem calçadão.
É no presente que se constrói o futuro. O lançamento de um espigão de 100 m. de altura junto à colina de Santo Antônio da Barra é um precedente gravíssimo que demonstra a fragilidade do poder federal e municipal frente ao imobiliário. Foi a política da PMS, nas décadas de 50 e 60, de preservar nossos vales que permitiu a ACM, o Velho, executar a rede genial de avenidas planejadas 25 anos antes. O que estamos preservando hoje para o futuro?
SSA: A Tarde, 13/09/15

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Cidades para as pessoas


Natalia Garcia*
Pode parecer clichê e piegas, mas é preciso dizer: por trás - e ao lado - de todo homem há, sim, uma grande mulher. No caso do planejador urbano dinamarquês Jan Gehl, que se formou arquiteto em 1960 na Royal Danish Academy of Fine Arts, foi a esposa psicóloga que o impediu de se tornar mais um "obcecado pela forma, sem pensar na funcionalidade", como ele descreve a maioria dos colegas. "Ela me provocava perguntando por que nós nunca pensávamos nos aspectos humanos na hora de criar projetos para a cidade", conta. Gehl e a esposa organizavam reuniões semanais em sua casa com outros colegas para discutir as fronteiras (e possíveis ligações) entre sociologia, psicologia, arquitetura e planejamento. Esses encontros foram o começo do que mais tarde se tornaria o assunto da vida de Jan Gehl: como criar cidades melhores para as pessoas.
Em 1971 ele publicou seu primeiro livro, Life Between Buldings ("A vida entre os prédios", em tradução livre, sem versão em português), em que se debruça sobre o comportamento das pessoas nos espaços públicos e utiliza a Strøget, a primeira rua de pedestres de Copenhague, como laboratório para mostrar que priorizar as pessoas era o melhor para criar boas cidades. A Strøget era uma importante avenida comercial e o anúncio de seu fechamento para virar um calçadão em 1962 causou reações negativas. "Não somos italianos", diziam os jornais para argumentar que o clima gélido da Dinamarca impossibilitava uma vida ativa nos espaços públicos. "Um ano depois, todos os comerciantes reconheciam: eles estavam errados", conta Gehl. As vendas triplicaram e esse calçadão de quase 1 quilômetro passou a ser ocupado pelos habitantes da cidade. Estudar o assunto fez com que Gehl criasse uma metodologia de planejamento que prioriza as pessoas. Seu escritório, o Gehl Architects, é o mais requisitado do mundo e já fez projetos, inclusive, para São Paulo e Rio de Janeiro.
O que significa criar uma cidade para as pessoas?
Você já notou que sabemos tudo sobre o habitat ideal dos gorilas, girafas, leões, mas nada sobre o Homo sapiens? Qual o lugar ideal para essa espécie viver? Infelizmente, sabemos muito pouco. Boa parte dos profissionais que definem o futuro de uma cidade, os arquitetos, urbanistas e políticos, estão preocupados com outras coisas. Eles querem melhorar o trânsito, criar "skylines", monumentos, pontes, mas nenhum deles tem na agenda o item "criar uma cidade melhor para as pessoas viverem".
E qual seria o lugar ideal para o homem viver?
Certamente não é uma cidade em que se precise passar três horas por dia dentro de um carro preso no congestionamento. Mas uma das coisas que descobri em todos esses anos de trabalho é que precisamos respeitar a escala humana. Em meu livro Cities for People ("Cidades para pessoas") eu falo, por exemplo, sobre a síndrome de Brasília, uma prática repetida em várias cidades do mundo. Brasília nasceu para ser uma cidade planejada, certo? Pois bem, quando a olhamos do céu, ela é incrível, mas quando a olhamos do chão, parece que estamos em uma maquete fora de escala. É tudo grande demais, as distâncias são impossíveis de serem percorridas pelo corpo humano e os monumentos são grandes demais para apreciarmos a partir de nossa altura. Isso sem contar a falta de calçadas e ciclovias. Se você não tem um carro em Brasília, fica impossível se locomover.
A escala humana, então, é a chave para planejar cidades para pessoas?
É uma das chaves. Temos que criar uma mudança de paradigma aqui. Antes de pensar em mais ruas, ciclovias, transporte público ou mesmo na escala humana, é preciso pensar: que cidade queremos? E aí, o que importa não são os elementos do planejamento urbano, mas as coisas que nos fazem viver melhor.
Quando os planejadores quiserem chegar aí e não, por exemplo, ao melhor sistema de mobilidade possível, aí sim estaremos em um caminho interessante para melhorar as cidades.
O senhor fala em trânsito, problema grave no Brasil. Quais as soluções para essa questão?
O congestionamento é, sem dúvida, um dos maiores problemas das grandes cidades do mundo. E a chave para resolvê-lo é entender que a demanda correta não deve ser por mais transporte público ou ciclovias ou calçadas. Deve ser por mais opções, por mais liberdade de escolha de meios de se locomover do ponto A ao ponto B. Só ciclovias ou só transporte público não resolvem, mas uma combinação dos dois com boas calçadas e vias exclusivas de pedestres começam a deixar a cidade mais interessante e a dependência que se desenvolveu do carro começa a diminuir. Mas, ainda assim, muita gente vai continuar se locomovendo de carro, por comodidade. Então, junto com o aumento de opções de locomoção, é preciso diminuir o uso dos carros, dando menos lugar a eles. Quanto mais ruas, mais carros, quanto menos ruas, menos carros. Se você oferecer infraestrutura, a sociedade vai utilizá-la. Então, tirar espaço dos carros, ou proibir que estacionem nas ruas, são algumas das formas de garantir que eles sejam menos usados, em especial em curtos trajetos. E aí, as pessoas que realmente precisem de um veículo para se locomover, seja porque a distância é longa demais, seja porque é uma emergência, terão espaço para dirigir.
Sim, é um processo complicado. Hoje Copenhague é um exemplo mundial de uma cidade boa para se viver, mas começamos nossa mudança de paradigma 50 anos atrás. A chave para que tenhamos chegado até aqui foi dar um passo de cada vez. Não dá para, de uma hora para outra, proibir os carros de estacionarem nas ruas. Mas que tal proibir em um bairro? Ou em apenas uma avenida? E, no lugar onde os carros estacionariam, criar uma ciclovia? Esse acaba sendo um projeto piloto, as pessoas teriam tempo para se acostumar. E, quando começar a dar certo, fazemos isso em outro ponto. Pouco a pouco a população vai entendendo como a cidade pode melhorar. Eu tenho muito orgulho de dizer que moro em uma cidade que todos os dias é um pouco melhor do que era no dia anterior.
Em Copenhague, um terço das pessoas usa a bicicleta como transporte todo dia. As bicicletas devem ser pensadas como solução em cidades grandes como São Paulo?
Certamente sim. A bicicleta é um meio de transporte ágil que não polui e faz as pessoas se exercitarem. A chave para integrar a bicicleta à mobilidade urbana de uma cidade muito grande é não pressupor que as pessoas vão fazer todo o trajeto pedalando. Pedalar 20 quilômetros pode ser ok para quem é jovem e tem condicionamento físico, mas certamente não é uma prática para todos. Então a bicicleta precisa estar integrada a outros meios de transporte. Bicicletários deveriam existir na maioria absoluta dos pontos de ônibus, trens e metrô, para que as pessoas possam fazer parte do trajeto pedalando e parte de metrô, por exemplo. Bicicletas de aluguel que sigam os exemplos de Paris, Barcelona e Lyon, onde as pessoas podem retirá-las e devolvê-las em diferentes pontos da cidade, são ideais. Mas é fundamental que haja infraestrutura para pedalar. Se as pessoas não se sentirem seguras, bicicleta continuará sendo um meio restrito para se transportar.
Como a população deve participar do processo da criação de cidades para pessoas?
É preciso que as pessoas exijam as coisas certas.
Se você, por exemplo, perguntar a uma criança o que ela quer de natal, ela vai te responder uma lista de coisas que já conhece. Uma criança nunca pediria algo de que nunca ouviu falar. O mesmo vale para as demandas das pessoas em relação às cidades. É fundamental que haja informação sobre como uma cidade pode ser melhor para que a sociedade exija as coisas certas. Enquanto exigirem mais ruas para dirigirem seus carros, as cidades vão continuar crescendo do jeito errado. Quando passarem a exigir mais liberdade de locomoção, daí o governo terá que fazer algo a respeito. Em Copenhague foi assim. Na década de 1970 a cidade estava tomada pelos carros. Com a crise do petróleo, dirigir ficou muito caro e as pessoas começaram a exigir infraestrutura para pedalarem em segurança. E as ciclovias foram, pouco a pouco, tomando o lugar dos carros.
O planejamento urbano pode fazer as pessoas mais felizes?
Planejamento urbano não garante a felicidade. Mas mau planejamento urbano definitivamente impede a felicidade. A pior coisa para a felicidade das pessoas é perder tempo paradas no congestionamento. Se a cidade conseguir diminuir o tempo que você fica parado no trânsito e lhe oferecer áreas de lazer para aproveitar com seus amigos e sua família, ela lhe dará mais condições de ter uma vida melhor. O planejamento urbano é uma plataforma para as pessoas serem felizes.
*BONS EXEMPLOS NA PRÁTICA
A repórter Natália Garcia criou o projeto Cidades para Pessoas. Durante um ano, ela vai percorrer 12 cidades pelo mundo - e morar por um mês em cada uma delas - para buscar ideias. O critério de escolha desses locais foi o trabalho do urbanista Jan Gehl: todos os centros urbanos visitados tiveram sua consultoria ou são considerados por ele boas cidade para se viver

domingo, 19 de julho de 2015

Centro Histórico: A gota d'agua

Paulo Ormindo de Azevedo*
Uma morte, a demolição de 31 ruinas e a desocupação de muitos imóveis no Centro Histórico (C.H.) foi a gota d’água para a denúncia de seu abandono à Unesco por arquitetos e urbanista através do CAU/BA, IAB-BA e SINARQ-BA. A Faculdade de Arquitetura da UFBA convocou o Seminário C.H. de Salvador em Debate (8/7/15). Acudiram imediatamente a presidente e o superintendente do IPHAN, o Diretor do IPAC, a diretora do Escritório do Centro Antigo, o Secretário Municipal de Urbanismo e a diretora da F. Mario Leal Ferreira para justificar o que fizeram naquela área desde o seu tombamento, mas não prometeram nada.
Não se pode negar que foram feitos muitos investimentos públicos na área. O fato é que estas ações não conseguiram deter o processo de deterioração daquela área, especialmente no Pilar, Taboão, Montanha, Conceição, Preguiça e Rua do Tijolo. São cerca 1500 imóveis arruinados e 150 cobertos de vegetação e com escoras metálicas já podres ameaçando caírem. O que as autoridades pretendem fazer com essas ruinas que aumenta a cada dia? A presidente do IPHAN confessa que não ter dinheiro para sua recuperação, que custaria R$1,5 bilhões, orçamento maior que do Ministério da Cultura. É evidente que o modelo de intervenção está falido.
A razão deste insucesso é não compreender que a questão do C.H não é edilícia senão urbanística e social. O Comercio e Centro Antigo estão em depressão há 40 anos com a retirada de sua função central na década de 1970 e habitacional na de 1990 para transformá-los num enclave turístico. Donos de salas no Comercio estão entregando seus imóveis para quem queira pagar o IPTU e o condomínio. Dizer que o C.H. está conservado porque seu cartão postal, o Pelourinho, não tem ruinas é querer tapar o sol com peneira. A área não tem transporte, estacionamento nem vida social e cultural. Em uma palavra, política de preservação, apenas restaurações isoladas, que aliviam a culpa, mas não mudam a situação. A
Prefeitura nunca se interessou pela área, com exceção da administração Mario Kertesz, e sem ela não pode haver recuperação.
Mas a área tem grande potencial econômico. Grupos privados estão comprando centenas de imóveis na Ladeira do Mauá, Largo 2 de Julho, Areal, S. Antonio Além do Carmo e Rua Chile e expulsando seus moradores. Seu interesse não é o patrimônio, senão a vista para a baia, como ocorreu no corredor da Vitória. A situação do centro antigo é gravíssima e só se resolve com um plano urbanístico que contemple incentivos fiscais, linhas de financiamento e associe grandes investimentos públicos em infraestrutura e habitação a privados em serviços. A chave de sua recuperação é saber associar dois interesses: o dos moradores e dos hoteleiros, em uma operação consorciada. Não faltam ruinas.
A solicitação das associações de arquitetos de pedir uma missão da Unesco com vista a declarar o C.H. Patrimônio Mundial em Risco é a mão na roda para o IPHAN, IPAC e PMS conseguirem da União os recursos para este grande desafio. O que é melhor, investir R$1,5 bilhões no C.H. ou cinco vezes mais em duas construtoras para construírem numa ponte de veraneio? Se o Brasil quer ter Patrimônio Mundial tem que pagar o preço.
*Arquiteto e professor Titular da Ufba.